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quinta-feira, 15 de março de 2012

O coração fuxiqueiro

Jamais sentira outra dor senão a da fome a juntar horas para o estômago.

Viera ao mundo mais fome que coração, pensou, enquanto preparava a ceia matinal na morada do senhor.

E como o que pensou era bom, sorriu. E como a tarefa lhe aumentava o apetite, acariciou o ventre em sinal de aprovação.

Certa tarde, fome e coração o traíram.

Encontram-no suarento e semimorto, dor implacável a arrancar impiedosamente tudo o que de substancial o abdômen armazenara para os tempos difíceis.

O salvou a senhora de bengala que ajudava a tantos que sofriam do coração e aos que, em nome do coração, a tantos fizeram sofrer.

O levaram a tratamento coronário, esqueceram da fome que não o esqueceria.

Retornou um mês depois, mais magro e cheio de cuidados logo esvaziados.

Retornaram a barriga, o afrouxar do cinto e os cabelos engomados com Glostora.

Trouxe do quase além coração novo e fuxiqueiro, mais lembranças impuras que uma nau de pecadores.

“O coração anterior era bem melhor”, disseram, e nem um “ui” dele ouviram.

Aos que sofrem do miocárdio estomacal, piedade, Senhor, piedade!

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