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quarta-feira, 29 de junho de 2011

A origem dos sonhos

Foi na meninice dos anos 60 que saboreei a primeira Cola Jesus. Cola de Guará Jesus, melhor dizendo. Assim era chamado o refrigerante de canela nascido na Rua de Santana.

Um correr de casas adiante da minha ficava o prédio do Laboratório Jesus, de Seu Jesus Gomes, a fábrica do “sonho cor-de-rosa das crianças maranhenses”.

Laboratório farmacêutico afamado Brasil afora. E fora também, creio. No mostruário, um punhado de produtos de deixar agradecidos as donas-de-casa, os representantes comerciais e os comerciantes da época. Faziam de um tudo, fabricavam qualidade.

Água sanitária Jesus? Melhor não há, afirmava-se. Muito antes da dona Bayer, seu Jesus soube o valor do “Se é Jesus, é bom”. E garantindo a nobreza da bebida, mandou cunhar autógrafo em alto-relevo no recipiente de vidro, Jesus, as letras em caligrafia impecável tal e qual Gillete fez com a sua lâmina de barbear. Ambos famosos, ambos imprescindíveis.

A primeira versão da garrafa saiu com o gargalo fininho feito a cintura das moças que viviam nas fotonovelas de Grande Hotel – outro sonho.

Mas nada, nadinha mesmo, era comparável às tardes de Cola Jesus na Padaria Cristal. No comecinho da Rua Grande, mais acolá o Cine Éden, ali pedaço de São Luís se fartava de pães, biscoitos e guloseimas. Sonhos, suspiros, não-me-toques, areinhas, línguas de sobra, eu menino nem percebi que o tempo era de açúcar.

Vou sabendo pelos jornais. A Cola Jesus vai correr mundo e fazer mimos a outros garotos, sabe-se lá aonde. Seja onde for, será bem-amada. Tem nome santo, a cor arrebatadora, inspira mais fantasias que um pequeno príncipe que jamais soubemos quem foi. O sabor nem se fala. O novo dono não se meta à besta e ouse obscurecer o néctar com adaptações de mercado, ou outro nome dêem a isso.

Mas que a Cola Jesus mudou com os anos, mudou sim. A de antes, guardei de lembrança, tinha muitíssimo gás, borbulhava que só vendo, tinha gosto mais acentuado. E se Seu Jesus, roxo de ciúmes ao senti-la perdida, carregou detalhezinho muito do importante da fórmula original? Sei não...

Cá com as minhas esquisitices desconfio. Porção desse mundaréu de maranhenses de nome e sobrenome Jesus nem foi inspirada no Cristo. Procurarem bem, nossa gente nasceu de sonhos cor-de-rosa. Amém!


* filha minha vinda ao mundo em “As melhores crônicas do claronline”, da Clara Editora (2005)