Jamais sentira outra dor senão a da fome a juntar horas para o estômago.
Viera ao mundo mais fome que coração, pensou, enquanto preparava a ceia matinal na morada do senhor.
E como o que pensou era bom, sorriu. E como a tarefa lhe aumentava o apetite, acariciou o ventre em sinal de aprovação.
Certa tarde, fome e coração o traíram.
Encontram-no suarento e semimorto, dor implacável a arrancar impiedosamente tudo o que de substancial o abdômen armazenara para os tempos difíceis.
O salvou a senhora de bengala que ajudava a tantos que sofriam do coração e aos que, em nome do coração, a tantos fizeram sofrer.
O levaram a tratamento coronário, esqueceram da fome que não o esqueceria.
Retornou um mês depois, mais magro e cheio de cuidados logo esvaziados.
Retornaram a barriga, o afrouxar do cinto e os cabelos engomados com Glostora.
Trouxe do quase além coração novo e fuxiqueiro, mais lembranças impuras que uma nau de pecadores.
“O coração anterior era bem melhor”, disseram, e nem um “ui” dele ouviram.
Aos que sofrem do miocárdio estomacal, piedade, Senhor, piedade!
Nenhum comentário:
Postar um comentário