Educadora por excelência, dona Filó venceu os anos cultuada por gerações.
Eméritos homens públicos do Maranhão e Piauí deviam a ela terem apreendido as primeiras letras antes das primeiras traquinagens políticas, o que certamente garantiria a eles penas mais brandas no purgatório.
Certo dia, os dois estados receberam com pesar a notícia de morte do marido de dona Filó. Dele, mal lembravam o nome ou o semblante, mas por certo acudiriam a veneranda senhora no instante de dor.
E uma multidão de discípulos e admiradores foi encontrá-la em pranto lancinante ao lado do caixão do falecido. Mal suportou as condolências, tamanho o sofrimento a lhe acentuar a magreza.
- Oh, Deus! Porque foste tão mau e não me levante no lugar do meu amado!
E dona Filó gritou lamentos a plenos pulmões, entrecortados por desmaios e crises de choro. E não houve quem contivesse as lágrimas, quem não admirasse a devoção imensa.
Em gesto extremo que só se conhece nos grandes amores, dona Filó abre a bolsa, retira foto sua e a deposita ao lado esposo entregue a sono eterno.
- Para que nunca esqueças de quem sempre te amou!
Uma amiga a testemunhar a cena a censura pela imprevidência.
- Estás louca, Filó? Os que morrem e levam algo dos vivos que lhe querem bem, não descansam enquanto não veem buscá-los. Querem companhia conhecida no outro mundo.
E não houve no velório quem não percebesse o rosto em choque da inditosa viúva, e atribuíram-no ao golpe brusco do destino.
Um após outro, os homens públicos e amigos do casal se derramaram em elogios ao defunto e desencavaram as incontáveis qualidades de união jamais sabida nos dois estados.
E mais e mais chegam ao caixão flores e coroas. E mais e mais o lugar toma ares de floricultura fúnebre.
E no calor insuportável, mais e mais se apertam os que vêm estender a mão solidária à estimadíssima mestra.
Dona Filó parece em transe, notam. Tateia os dedos magros e ainda ágeis pela flora mortuária, como se procurasse algo precioso e do qual não devesse estar separada. E todos externam nó pela inenarrável agonia.
As horas passam, não para a mulher a apalpar, histérica, um caixão de flores em desalinho.
As horas passam e vêm avisá-la do fechar do ataúde.
Contam os mais velhos. Nas duas cidades vizinhas ouviram um brado em fúria a ordenar a interrupção dos relógios, dos enterros e do respirar dos seres viventes, enquanto não tivesse em mãos foto inadvertidamente perdida naquele dia triste. E assim foi feito.
E foi assim que o marido de dona Filó partiu sem levar um naco do amor tanto deixado em vida.
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